Tempo de tela e saúde mental infantil: o que dizem as evidências?
Em 2018, houve uma polêmica sobre o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde do ‘transtorno de jogos’ na 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID11).
Alguns questionaram a decisão da OMS de incluir a condição na CID11, dizendo que há poucas evidências de que o tempo de uso de telas afeta as crianças, mas a OMS diz que sua inclusão é “baseada em análises de evidências disponíveis”.
Embora o debate em torno do ‘transtorno de jogos’ diga respeito aos efeitos do uso de videogames em particular, há também um debate sobre os efeitos mais amplos do tempo de tela nas crianças e nos jovens.
Então, o que as pesquisas dizem?
O uso da tecnologia tornou-se quase inevitável em nossas vidas diárias. Ela é agora o meio pelo qual acessamos entretenimento, nos comunicamos com outras pessoas, socializamos e fazemos compras.
Alguns estudos sugerem que o tempo de tela é prejudicial…
Isso inclui o uso de tecnologia por crianças e jovens, com um estudo recente descobrindo que 99,9% de uma grande amostra de jovens ingleses de 15 anos usam pelo menos um tipo de tecnologia digital todos os dias.
À medida que a presença da tecnologia na vida de crianças e jovens tem aumentado, também há interesse em como essas tecnologias baseadas em telas impactam a saúde e bem-estar delas, e como melhor gerenciar e moderar seu uso.
Diversos órgãos profissionais já divulgaram recomendações para o uso de telas e mídias digitais por crianças e jovens. A British Psychological Society, instituição de psicologia do Reino Unido, por exemplo, recomenda que os pais e responsáveis usem os aparelhos junto com as crianças e os envolvam em discussões sobre o uso da mídia.
A American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria) recomenda menos de uma a duas horas de entretenimento na tela por dia para crianças e desencoraja o uso de qualquer mídia de tela por crianças menores de dois anos de idade.
Muitas das preocupações com o uso da tela estão relacionadas ao comportamento sedentário (ou inativo). A ideia é que o tempo gasto em frente a uma tela é o tempo que não é gasto com exercícios ou outras formas de atividade física. O comportamento sedentário pode estar associado a uma pior saúde física, bem-estar e saúde mental, e algumas pesquisas conectaram o uso da tela ao aumento do comportamento sedentário em crianças.
Também há a preocupação de que o uso de tecnologia possa afetar o sono de crianças e jovens, algo importante para a saúde e o bem-estar físico e mental. De fato, há evidências que sugerem que o uso de telas na hora de dormir está relacionado a crianças com menos horas de sono, pior qualidade do sono e aumento do cansaço.
Em termos da relação entre o uso da tecnologia e os resultados de saúde física e mental, há vários estudos que sugerem que níveis mais elevados de uso da tela em crianças e adolescentes estão associados à redução da atividade física, aumento do risco de depressão e menor bem-estar.
Outros estudos sugerem que o tempo de exibição não causa danos…
Existem outros estudos que não encontraram diferenças no bem-estar ou problemas de saúde mental entre as crianças que atendem às diretrizes de uso de tela recomendadas e aqueles que as excedem. Alguns estudos sugerem que pode realmente haver pequenos impactos positivos do uso da tecnologia em crianças e jovens.
Esta relação de mudança foi sugerida por alguns pesquisadores que argumentaram que o uso telas por períodos de tempo baixos a moderados pode ter efeitos neutros ou até positivos, mas usar a tecnologia por um tempo excessivo pode começar a ter efeitos negativos.
Parte da confusão em torno dos efeitos do uso da tela em crianças também pode ser devido à rapidez com que a tecnologia se desenvolveu. Existem agora muitos tipos diferentes de tecnologias (televisores, computadores, tablets, telefones celulares) que podem ser usados de muitas maneiras diferentes (assistir filmes, jogar, ler livros, usar as redes sociais). Isso significa que, quando falamos sobre o ‘uso da tela’ em crianças e jovens, podemos estar falando sobre uma ampla gama de atividades, cada uma das quais pode ter um impacto único.
Usar telas para se comunicar e se conectar com amigos e família pode ser benéfico para algumas crianças e jovens.
Há pesquisas que sugerem que, embora a mídia social tenha riscos na forma de permitir comparações prejudiciais com outras pessoas, bullying ou exposição a conteúdo negativo, ela também pode ter influências positivas. As crianças relataram sentir que isso as ajuda a manter contato com outras pessoas, fortalecer o relacionamento com os amigos e permitir que explorem novas informações e perspectivas.
Uma revisão da pesquisa sobre o uso do Facebook descobriu que o “uso passivo” (rolar pelas postagens sem interagir com o conteúdo) estava associado a um menor bem-estar e satisfação com a vida, mas ao “uso ativo”, em que o Facebook era usado para se comunicar diretamente com outras pessoas, ou criar conteúdo, não foi associado a esses efeitos negativos e pode, na verdade, ter um leve impacto positivo no bem-estar e nas percepções de apoio social ao longo do tempo.
Isso sugere que a forma como as crianças interagem com a mídia, bem como o tipo de mídia que usam e por quanto tempo a usam, podem influenciar a saúde mental e o bem-estar de maneiras ligeiramente diferentes.
As telas também podem ser usadas para promover ativamente a saúde mental na forma de terapias computadorizadas. Por exemplo, a terapia cognitivo-comportamental computadorizada (cCBT) foi considerada eficaz para crianças e jovens de 12 a 25 anos que estão em risco de, ou estão experimentando, ansiedade e depressão.
Interpretando a pesquisa
É importante observar que muitos dos estudos que analisam o uso da tela em crianças e jovens são transversais, o que significa que analisam as características de um grupo em um único momento. Isso pode tornar difícil tirar conclusões firmes sobre se o uso da tela causa certos resultados ou se as crianças que são mais propensas a usar telas com frequência também têm maior probabilidade de experimentar vários resultados físicos e psicológicos por causa de outro fator comum.
Ainda há muito mais a aprender sobre como o uso de telas e tecnologia impactam a saúde mental e o bem-estar das crianças e, à medida que nossa tecnologia se desenvolve, também evolui nossa compreensão das muitas maneiras, boas e ruins, em que ela pode impactar nossas vidas.